domingo, 30 de janeiro de 2011

Bethânia e as palavras

Marlon Marcos (jornalista e antropólogo)
Especialmente para o Opinião, do jornal A Tarde, em 28/01/2011

Entre os anos de 1983 e 1984, comecinho da minha adolescência, descobri o long play Pássaro da Manhã, lançado originalmente em 1977, por ela, Maria Bethânia. Logo na abertura, a cantora baiana lançava-se a uma récita poética dizendo assim: “Conta a lenda que dormia/ Uma princesa encantada/A quem só despertaria/Um infante que viria/ De além do muro da estrada”. O poema era Eros e Psique, de Fernando Pessoa.

O Pessoa que eu já conhecia por conta de Os argonautas, de Caetano Veloso, e passara a adorar através da dramática interpretação de Bethânia em seu Pássaro da Manhã, disco recheado com outros textos de grandes literatos como Clarice Lispector, voltado à união exitosa entre textos literários e teatrais e as belas canções da excelente música produzida no Brasil nos anos 40, 50, 60 e 70.

Eu, menino nascido no Centro histórico de Salvador, estudante do Colégio Estadual Azevedo Fernandes, no Pelourinho, ouvia música e aprendia poesia com uma cantora popular, nascida na pequena Santo Amaro da Purificação, que já se tinha tornado uma das mais importantes no cancioneiro brasileiro naquele início dos anos 80.

E toda vez que revisito minha memória para saber do meu acesso à literatura brasileira, antes, recaio nas canções de Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, e relembro minhas incursões amadianas estimuladas pelas vozes de Gal Costa e Maria Bethânia. Esta última, a grande responsável pelo meu desejo de viver dizendo poesia e aquela que, da indústria fonográfica, mais popularizou Fernando Pessoa e Clarice Lispector entre os brasileiros.

E é sob o signo da poesia e da literatura que Maria Bethânia viaja em seu novo espetáculo Bethânia e as Palavras, lançado em setembro de 2010, no Rio de Janeiro, e que pousa hoje no Teatro Vila Velha, numa sessão para convidados mais que especiais: estudantes e professores da Rede Pública do estado da Bahia.

Com duração de uma hora, a cantora desfia nomes como Manuel Bandeira, Fausto Fawcett, Guimarães Rosa, Sophia de Mello Breyner, Wally Salomão, entre outros. O recital é intercalado com canções, num espetáculo que objetiva fazer da poesia um instrumento vigoroso para a educação e para o deleite da alma de nossos educandos e educadores.

Um dos aspectos mais importantes do Bethânia e as Palavras é a sua inclinação para pulverizar excertos poéticos entre crianças e adolescentes e a partir daí, tematizar o uso da palavra numa perspectiva criativa; ao fomentar o gosto pela leitura através da poesia, a cantora se lança em rememorações que valorizam a antiga educação pública, praticada na Bahia nos anos 40 e 50, da qual, ela mesma, seu irmão Caetano Veloso e o artista plástico Emanoel Araújo, tiveram acesso vivendo em Santo Amaro da Purificação.

Ao ver Bethânia em récitas de textos dos gigantes da língua portuguesa, preocupada com discentes e docentes, fico a me perguntar se em seu segundo mandato, o governador Jaques Wagner vai parar de maltratar tão fortemente os professores da Rede Pública e investir numa revitalização da nossa Educação Oficial? Se vai priorizar, de verdade, a educação? Se o PT coaduna-se com idéia da cantora de espraiar a arte da palavra para que a gente aprenda a ler o mundo com mais sensibilidade e saiba, em conjunto, cobrar de quem nos governa seja lá quem for?

Nessa nova empreitada artística, Bethânia é acompanhada de violão e percussão, sonorizando os belíssimos fragmentos de textos selecionados por ela, com a ajuda do antropólogo Hermano Vianna e do diretor teatral Elias Andreato.

Em cena, a voz sob medida edita nossa negritude e confirma os tons civilizatórios da cultura negra em todo Ocidente: recita o transcendente poema Tambor, do moçambicano José Craveirinha, sendo o ápice de beleza do espetáculo, e o momento educativo mais emblemático para a valorização do negro que compõe a alma e o sangue da maioria do povo brasileiro.

Uma festa literária para nossos ouvidos, promovida pela artista que já deveria ter sido laureada com o título de Doutor Honoris Causa, pelas universidades existentes na Bahia, já que seu trabalho artístico é um diálogo profundo com a cultura no Brasil.

2 comentários:

karina rabinovitz disse...

queria tanto ter ido! tanto!!
saudade sim!!
mesmo!
muitos beijos

Diogo Didier disse...

Bethânia é perfeita sempre!

bjoxxxxxxxxxxxx