domingo, 29 de março de 2009

Sob o signo desta cidade

(Foto retirada do site Klaus Tourismo)
A Cidade da Bahia faz hoje 460 anos. Lugar de muitos sonhos e de desgastantes ilusões. Primor de beleza alicerçada pela cor verde-azulada do seu mar e é isso, entre dois, o seu primeiro elemento de sedução. O segundo é sua gente. A gente criativa negro-mestiça de Fé e musicalidade, ritmo festeiro, de calmaria, de força e coragem; cidade de sobreviventes. Essa entrada poética da Baía de Todos os Santos. Cruelmente descuidada e apartada da realização de coisas elegantes que atingiriam todos os seus habitantes. Cidade inscrita na força das águas, no poder elemental da terra, luz feito fogo, brisa de constante Primavera e nada a tem feito vicejar.
Desencontros da política dos coronéis antigos e emergentes; saga de uma deseducação em nossas escolas públicas; destrato com a salvaguarda da nossa memória; a pobreza e a violência crescentes; o emburrecimento visto nas síncopes de intolerância religiosa; o trânsito caótico piorado pelo degradado sistema coletivo de transportes; o despreparo da segurança; a saúde pública centrada na lama; as poucas alternativas de políticas culturais; a ideia de ação cultural voltada para a mão única da Axé Music - detentora do que somos como carnaval; o elistismo grassante de intelectuais que resistem ao tombamento de patrimônios imateriais como o acarajé; o saudosismo paralisante e pior, os modernosos desmemoriados, como os da Facom- UFBA, que insistem por uma Salvador reflexo de São Paulo e Nova Iorque, onde o idioma oficial seria o inglês;uma TV local cheia de imundícies como Bocão, Na Mira e similares; uma cidade que cresce sem planejamento e sempre defende os interesses dos abastados; uma Academia - representada pela UFBA - distante da comunidade e reprodutora de saberes que vêm de fora; uma Academia colonizada e refratária, sustentada mais em posturas arrogantes do que em critiavidade e invenções.
Salvador - esta cidade desigual e racista e que fica cada vez mais dividida pelas leituras rasteiras de alguns movimentos sociais que se alimentam pelo espraiamento do ódio interracial; A Salvador dos homens que mijam nas ruas, em qualquer tempo e a qualquer hora; A Salvador que ainda não se esgostou e ainda tem seus encantos...
A poesia da sua arquitetura colonial que ainda resiste. Olhar de cá a ilha de Itaparica, antes da construção da ponte destruidora; ver os orixás dançando no Afonjá, na Casa Branca, no Gantois, no Bate Folha...Ler sem pressa e sem ideologismos a grandeza literária do maior cronista que a Bahia já teve: meu Jorge Amado. O pôr-do-sol no Porto da Barra. Um show - tipo Los Hermanos- na Concha Acústica. Maria Bethânia no Teatro Castro Alves. A voz de Lazzo, Márcia Short, Gerônimo, Luis Caldas, Stella Maris, Mariela Santiago,Carlos Barros, Juliana Ribeiro, Claudia Cunha, ecoando de nossas rádios. Tiganá Santana e Virginia Rodrigues em todas as cenas da Cidade da Bahia. A igreja do Bonfim lotada na sexta-feira com todos de branco; missa na igreja de Nossa Senhora da Conceição - manhã de sábado; cervejinha gelada na Pedra Furada; caminhar no calçadão de Itapoan. O mar da Cidade da Bahia - maior poesia não há neste lugar que não pode ser só o mar...
460 anos de um lugar tão inspirador e lindo, mas tão injusto e ingrato. Não quero pedir o tombamento da canjica, apenas peço que deixem o acarajé em paz. Sobre a construção da ponte Salvador - Itaparica, deixo que comente, com mais propriedade, o mestre João Ubaldo Ribeiro.
Enfim, nossos últimos aniversários de Salvador em Salvador tem sido mais que dessemelhantes. Cristo, ressuscite Gregório de Mattos, em nome de Nossa Senhora!

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