terça-feira, 17 de março de 2009

Encontros comigo

Tela de Van Gogh

Vasculhando o blog Inéditos e Dispersos, de Vitor Carmezim, belíssimo por sinal, deparei -me com um fragmento de um dos contos que mais marcaram minha alma: A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa, e arranquei do peito a vontade de postar aquela passagem lá descrita, envolto numa intertextualidade que designa a ideia de solidão e a sensação de abandono que perfilam, em muito, nossas vidas. Foi um flash da rememoração; algo sibilado pelo pensamento para afirmar que aquilo é maior que minhas certezas e que eu ainda, mesmo sem esperança, acredito no inesperado bom que pode chegar na forma da delícia. E afora isso, o conto pagina as loucuras que cometi como professor de história e me ensina a viver o mais profundo prescindindo das vãs explicações. O fragmento:
"Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio".
Segundo encontro:
Ao ler a Carta Capital desta semana(18/03/2009), fiquei louco de vontade de reassistir Grande Hotel, para rever Greta Garbo em sua cara exuberante; rever aquele drama pontual, que quase nos salva pela possibilidade da paixão. Mas, ao final, fica a frase que eu não quero, quero, não quero, quero, não quero... dizer: I want to be alone. O mundo pode não ser assim?
Terceiro encontro:
Continuo a ouvir, repetidas vezes, as Três meninas do Brasil. Ouço sem parar. Levo na memória, cantarolo errado, volto pra casa ansiando "re-ver re-ouvir". Tem Jussara, Teresa e Rita. Tem a vida brasileira desfiada por estas grandiosas cantoras..Tem meu peito espectador de um país que poderia ser melhor e de uma vida mais acesa, mais poética, mais musical. Ali tem Maiusculo na intraduzível interpretação da mega Rita Ribeiro que se tornou sacerdotisa de vários transes a que sou submetido quando ouço aquela canção, cantada daquele jeito:
Como é maiúsculo
O artista e a sua canção
Relação entre Deus e o músculo
Que faz poderosa a sua criação
Pensando bem
É um mistério
Como é misterioso o coração
Como é minúsculo
O olhar de quem vive no escuro
Um sujeito malvado e burro
Alguém machucado como não ter um bem
Não tem porém
Mas tem um tédio
Não ser vítima do assédio de ninguém
Quase não dorme
Vive ao avesso
Medo conhece bem
Sem endereço
Como é que pode
Não fazer mal também
Tenho meus vícios
Vivem dentro de mim esses bichos
São o pai e a mãe dos meus lixos
E às vezes me levam de mal a pior
Pergunto quem
Não sabe disso
Os momentos em que a vida não tem dó
Solto meus bichos
Pelas músicas quando me aflije
Mas um homem sem esse feitiço
E sem um carinho a que recorrer
Pode matar
Querer morrer
Pois perdeu todo sentido de viver
Sérgio Sampaio
P.S: Como é longa a audição desta canção. Com Rita, mulher de voz precisa, a condução se faz na gente em absoluto prazer. Doi, como tem que doer as grandes revelações...

Um comentário:

Anônimo disse...

Rosa é fantástico. E a sua seleção de "encontros" também.

Obrigado pelo "belíssimo".

Abraço!