Marlon Marcos
Especial de Salvador (BA)
Ela é jovem, 31 anos, negra e linda. Nascida numa família classe média em Salvador, é graduada em história e dedicada pesquisadora da Música Popular Brasileira. Faz mestrado no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, pesquisando o samba brasileiro em seus primórdios. Diz-se apaixonada pela deusa Clementina de Jesus e sem deixar a tradição, ensaia novos rumos mercadológicos para a terra fustigada pela mão única da música feita em função do carnaval: a Bahia.
Juliana Ribeiro é exemplo de persistência - como esta menina acredita no próprio talento -, houve um tempo em que ela se produzia, fazia sua divulgação mediática, mantinha mailing com notícias de shows; compunha, estudava, pesquisava, ensaiava e, é claro, o melhor, cantava. Seu trabalho tem aparecido muito na terra da Axé Music, e ela inova, conseguindo levar para cenários carnavalescos, o seu canto potente, seu repertório apurado em uma presença de palco vista só em artistas como Maria Bethânia e Ney Matogrosso. Ela é baixinha e, como a diva santo-amarense, cresce e envolve a todos em sua música que traz o samba para fazer ponte cultural, com muito êxito, entre a Bahia e o Rio de Janeiro.
Já foi comparada a Daniela Mercury e Mariene de Castro, mas Juliana assinala sua personalidade fazendo registros de canções de modo bem pessoal e inteligente. Aliás, inteligência artística é o que não falta à cantora, sabedora do que pode fazer musicalmente, mediando algumas limitações vocais, pequenos exageros de quem cresce aprendendo, com uma musicalidade que encanta a todos que a escutam.
Lançou em 2009 seu primeiro EP ( Extended Play), trazendo seis canções que são: "Beira de Maré" e "Quem Vê?" de sua autoria em parceria com Tito Fukunaga e Gil Meireles; "Isto é Bom" de Xisto Bahia; "Ascendo o Luar" de Tito Fukunaga e Marcos Sampaio; "Lição de Vida" de Reginaldo Souza e "Batuque na Cozinha" de João da Baiana.
O sucesso atemporal na voz de Martinho da Vila, Batuque na Cozinha, funciona deliciosamente na leitura da baiana, sendo um dos momentos mais vibrantes tanto na gravação fonográfica como nas execuções ao vivo, nos concorridos shows de Juliana Ribeiro.
Ilustrando seu talento como compositora tem a canção Beira de Maré, samba delicioso, que faz referências diretas a Gilberto Gil e instala uma atmosfera das canções praieiras do onipresente Dorival Caymmi, a letra é um primor:
Beira de mar beira de marémaré sem fimbeira de marbeira de marémaré sem fim
abre a porta da licença me apresento por aquiabre a porta da licença me apresento por aqui
vim de longe eu não sou daquide outros mares eu vimda lua fui companheirafarol luz me guiabrincando de marinheiropeixinho de água do marbrincando de marinheiropeixinho de água do mar
beira de mar...
pelo mar vou navegando do jeito que eu vou eu vimmas pelo mar vou navegando do jeito que eu vou eu vim
na alma trouxe meu canto meu verso meu patuáatracando nesta areia histórias eu vim contara lua branca me ouvindo calada me contemplara lua branca me ouvindo calada me contemplar
beira de mar...
vou me embora vou me emboratão cedo não volto aquieu vou me embora vou me emboratão cedo não volto aqui
vou seguindo o meu caminhomeu destino é navegarbaías e enseadas moradas de Yemanjáconfesso não me despeço prefiro me retirarconfesso não me despeço prefiro me retirar
beira de mar ...
vou me embora vou me emborado jeito que eu vou eu vimeu vou me embora vou me emborado jeito que eu vou eu vim
(beira de mar...) eu vim da Bahia cantarcantar coisa bonita que tem lá no marlá no maró mãelá no mar que é morada de mãe Yemanjácom a alma meu canto meu patuáeu vim da Bahia pra cantarmaré sem fim ooooh
maré sem fim
Tudo em Juliana Ribeiro, a princípio, pode parecer repetitivo pelo fato dela evocar sempre os grandes sambistas deste país, cantando lindamente o mestre baiano Batatinha, e saudando Clementina de Jesus e Carmen Miranda. Ou cansar os mais incrédulos quando afirma se inspirar e cantar o chamado "samba de raiz". O fato é que, além de ótima cantora, a moça é pesquisadora e visita constantemente jongos, maxixes, chulas, sambas-de-roda, samba-canção; e cria composições sem temer ou negar influências de nomes que marcaram o gênero mais brasileiro do nosso cancioneiro.
Na Bahia, ela não é uma "solista dissonante", se a gente encontrar para ouvir Stella Maris, Sandra Simões, Mariene de Castro, Manuela Rodrigues, Cláudia Cunha, Déia Ribeiro, Ana Paula Albuquerque; ou a veterana e empolgante Márcia Short e a revelação nacional, a elegante e talentosa Márcia Castro. Estas vozes femininas aprontam mudanças positivas para a música feita na Bahia e Juliana é outra possibilidade de exportação de Salvador, para em qualidade, alcançar o mundo.
Ela está à altura de Mariana Aydar, Céu, Roberta Sá, Verônica Ferriani, podendo mostrar outras nuances musicais feitas neste território que hoje só é associado aos nomes da cantora Ivete Sangalo e da doublé Claudia Leitte.
( Publicado no Terra Magazine em 22 de janeiro de 2010)
P.S.: Juliana Ribeiro está conquistando integralmente a Cidade da Bahia. Isto é bom demais!
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