sábado, 20 de novembro de 2010

A capoeira conjugada no Feminino

A presença feminina na capoeira é analisada por Marlon Marcos. Foto: Gildo Lima| Ag. A TARDE

Este artigo foi construído especialmente para o blog Mundo Afro, de Cleidiana Ramos, festejando nossa Consciência Negra.

“Que gira e faz girar a roda
Da vida que gira…” (Martinho da Vila)

A presença da mulher na cultura afro-brasileira narra as mais significativas histórias que contam os incontáveis exemplos de superação do povo negro no Brasil, originário das mais diversas etnias africanas. Foi a mulher, em seus construtos culturais, a marca fundante para reelaboração das estruturas familiares dos humanos extraídos de suas terras natais; reelaboração essa nascida do sentido religioso, erguido de práticas litúrgicas que se convencionou chamar candomblé. Em áreas do Terreiro, a mulher negra quase hegemonicamente ditou regras e formalizou abrigos sócio-familiares que tiraram da esquizofrenia social grande parte deste povo que, aqui, escapou da escravidão.

Além do mais, estas mulheres subvertaram lógicas machistas assumindo a liderança de suas casas, e como sacerdotisas, quituteiras, fateiras, comerciantes, lavadeiras, operárias, prostitutas, muitas delas mães solteiras, redirecionaram o destino de suas crias, sustentando-as, educando-as, apoiando espiritualmente e oferecendo instrumentos culturais que as fizessem lutar contra as ferocidades do racismo e da pobreza para que hoje, 20 de novembro de 2010, pudéssemos parar o País para relembrar Zumbi e os desdobramentos históricos que pontuam avanços de todas as ordens e atentam para a longa caminhada que ainda devemos seguir para se erguer, se possível, uma sociedade brasileira alicerçada na ética da coexistência, instrumentalizada pelo respeito e não pela tolerância.

E a mulher na capoeira? Por que ainda fazemos essa pergunta se em tantas áreas de expressão social da cultura afro-brasileira ela sempre esteve e está presente sem feições de figuração?

Há quem diga que as mulheres foram ( e ainda são) secundarizadas nas rodas da capoeira por não terem compleição física para tanto. E outros, mais cuidadosos, dizem que por serem o sexo frágil, devem ser protegidas da violência e da destreza do homem em ação nessa luta-dança que é uma das grandes invenções da cultura negra do Brasil. Os mais crédulos afirmam que as mulheres são co-partícipes desta trajetória e nas rodas elas levam leveza beleza delicadeza e cantam, cantam a favor desta luta que ensina aos homens a mágica da auto-proteção, o talento do belo movimento, o domínio de estratégias espaciais, a sabedoria, o exercício da paciência e também, coragem e agressividade.

E como e por que ficar fora disso? Muitas mulheres não querem adornar rodas e tão somente cantar enquanto os homens se desenvolvem na prática do seu esporte luta dança cultura. Não querem se sentir réfens da violência gratuita de muitos homens quando jogam com mulheres. Antes disso, a mulher quer a inteireza do seu aceite no grupo, o direito real e legítimo de se tornarem mestras, de não serem obrigadas a jogar só entre si.

Conquistar a roda da capoeira tem sido um exercício de evolução política e ideológica para a mulher do mesmo jeito que foi ( e ainda é) para os homens conquistarem as rodas dos xirês nos candomblés tradicionais da Bahia e, fora do transe, dançarem para seus orixás.

O feminino anda em desconstrução tal igual ao masculino. E nessa conjugação de direitos iguais entre as diferenças, nada mais positivo que deixar a mulher girar na roda também como autora; elas, as mulheres, que são guardadoras de alguns mistérios da vida.


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