domingo, 5 de junho de 2011

Nunca mais

Nunca perguntar de novo. Deixar secar ao vento da distância. Empurrar para debaixo do silêncio, onde sobrevive o perverso barulho. Esquecer suas mãos tocando as minhas. Subverter a noção do querer, desentender o amor e ir ter com o cortante cotidiano que nos arranca do tempo quando não mais temos o que esperar. A eternidade machuca porque ela é inimiga da paixão. Eternos são os esvaziados, os sem projetos, os conformados, ajustados, os donos do teto. Eterna é a calçada de uma rua em que vi Jussara sofrendo de amor. Eterno é o gosto de sêmen na  boca cheirando violação. É o envelope sobrescrito da carta não enviada para uma história sem conclusão. Eternos são os pingos d'água caindo da torneira que não conserto. E esse deserto que dura séculos no esvair de uma canção.

Nunca olhar de novo. Tão curto, já tão velho. Esse sem tempo sem história que coisifica a vida. Sou uma cadeira de senhora, bem idosa, sonhando ser esquecida. Qualquer relógio agora é farsa. O espetáculo mais inédito é ver gente andar. Andar dentro do mistério das estradas e das sinas. Gente que anda ainda pode alcançar.


Nunca tocar de novo. Nunca. Dentro do beijo. Nunca fora. Nunca deslizar as narinas para reconhecer o corpo. Nunca pensar em corpo sem poder esperar. Tocar. Nunca aludir felicidade ou tristeza constante. O hoje e o amanhã são morno. Nada pesa o bastante. Como antes se via a alegria de ter um corpo gozando sob o meu. Nada é cronológico. Agora é um ir-se sem fim grudado na falta de memória.

Nunca dizer sim. Soterrar os começos. Invalidar segredos até a dissolução dos tempos. Nada de referências às estrelas; à mesa o repetido jantar. Sem escritos e sem palavrório. Estar com alguém sentado em cima. Estar na enormidade do espaço que impede qualquer um de ser.

Nunca compreender o fim. Senão você não sobrevive à atual maldição. A condição é ser eterno e dilacerar ao batuque do tédio. Não ter emoção. Calcular, organizar, acertar, refletir. Aqueles do grande ajuste - os verdadeiros filhos de Deus. Os de alma e boas intenções. Não compreender o fim. Nunca sorrir nem chorar. Falar para aceitar sua necrópsia e a de todos. Falar para pedir a sua mumificação.

Nunca não e sim. Talvez é este tempo sem espera, sem esperança. Talvez é o alinhamento do que lhe deixa em vida vegetativa. Talvez é o humano covarde durando eternamente.

Nunca mais voltar.

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